Nosferatu
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É comum a observação de que o Expressionismo Alemão começou com o filme O Gabinete do Dr. Caligari, em 1919, e isto é verdade. Mas qual é a justificativa real desta afirmação? De que o filme trabalhou o claro e o escuro de maneira a enfatizar a opressão dos personagens nos cenários? De que os próprios cenários sofreram modificações ou mutilações de forma a transmitir o clima claustrofóbico de uma determinada cena e assim expressar a tensão pretendida? Ou muitas outras inovações técnicas apropriadas para tornar o expressionismo no cinema tal qual o era na literatura e no teatro, por exemplo, exprimindo em imagens o que era satisfatoriamente conseguido através da leitura ou da pintura? Sim! Tudo isso e muito mais. No entanto, a explicação que mais me agrada, é a inevitável comparação com a história de um jovem sonâmbulo (Conrad Veidt) utilizado (no filme) para cometer assassinatos a mando de outra pessoa, que refletia o envio então, recente de soldados alemães às trincheiras da Primeira Guerra por autoridades militares.
Ou então, a metáfora do filme M, o Vampiro de Dusseldorf, 1931 (o título brasileiro é totalmente inadequado, o melhor seria o subtítulo em alemão: “Morder Unter Uns”, que significa “o Assassino entre Nós”) que criticava a sociedade alemã naqueles tempos da República de Weimar. Vivia-se uma democracia liberalíssima em plena recessão causada pelas sanções impostas pelos países vencedores da Primeira Guerra. O excesso de burocracia e a inoperância do Estado foram pavimentando o caminho para a criação de um estado paralelo e a ascensão do nazismo. “M” é ainda hoje um de seus filmes mais perturbadores, ao mostrar a população reagindo à ineficácia da polícia e partindo para a ação por suas próprias mãos. No desprezo pela ordem e na criação de um Estado paralelo, com direito a julgamento, o grande mestre alemão Fritz Lang nos mostra o ovo da serpente, o nazismo em gestação.
O primeiro filme, em 1919, em plena carestia por causa da guerra e o segundo sob um clima de opressão e medo por causa do estado indefinido da sociedade e a ameaça do partido nazista em crescimento, foram os dois extremos entre o qual o cinema expressionista alemão foi mais produtivo. Além disso, podemos destacar que o filme de Robert Wiene era um autenticamente Silent movie enquanto o filme de Fritz Lang já estava na era do cinema falado, muito embora fosse o primeiro filme com som do mestre alemão.
Entre um filme e outro (1919-1931), o Expressionismo Alemão floresceu e decaiu, mas nunca, até hoje, perdeu a sua força de expressão narrativa.
Ao lado de Robert Wiene, diretores como Fritz Lang, Georg Pabst e Friedrich Murnau, por exemplo, foram fundamentais para a consolidação estética e artística do expressionismo nas telas da Alemanha ao longo das décadas de 20 e 30. Em uma época de desolação e pessimismo profundos, alguns dos cineastas mais importantes da história fizeram de seus filmes sombrios, obras luminosas, cujo brilho não se apagará jamais.
Então, a resposta para “o que é o Expressionismo Alemão?”, seria: Que mais que um movimento estético, foi (pelo menos no início do século passado) uma espécie de estado de espírito comportamental. Fruto de uma conjunção de fatores localizados em um momento histórico de pessimismo e ceticismo, sobretudo em função do trauma da Primeira Guerra Mundial, o expressionismo surgiu então, em resposta ao enfoque lírico da realidade produzido pelo impressionismo. E o filme de Robert Wiene, O Gabinete do Dr. Caligari, retrata exatamente isso, o sentimento de dor e descrença da sociedade alemã por meio de uma metáfora eficiente, lúgubre e cujo significado permanece até os dias de hoje.
Podemos concluir que o Movimento Expressionista Cinematográfico Alemão, em sua estetização radical dos paradigmas espirituais do expressionismo (vindo da literatura e pintura, principalmente), atingiu um grau máximo de abstração do universo real, de desconstrução da realidade sensorial e dos dados objetivos da consciência. Por isso é certo afirmar que os elementos essenciais do expressionismo (oriundos de outras artes) só conseguiram sua realização definitiva por intermédio de uma nova arte, o domínio da imagem em movimento (o cinema!), que deu vida a um mundo paralelo, povoado por visões subjetivas, misteriosas agitações do inorgânico e profecias inquietantes sobre uma nova era, a aurora da modernidade.
Por tudo isso, e por muitas outras razões, não poderia, sob pena de ser chamado de ignorante da Cultura Histórica Cinematográfica, deixar este importante movimento de fora de minha DVDteca.